ATO NORMATIVO Nº 439/2023 – DISP. 16/08/2023

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PJES

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ATO NORMATIVO Nº  439/2023

 

Institui e regulamenta, no âmbito do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Grupo de Trabalho Interinstitucional de cooperação para fortalecimento e qualificação dos fluxos e procedimentos de prevenção e combate à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes contra adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Espírito Santo.

 

O Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no uso de suas atribuições legais e regimentais;

 

CONSIDERANDO a necessidade de qualificar os fluxos e processos de prevenção e combate à tortura e maus-tratos contra adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no estado do Espírito Santo, como condição de salvaguardar as garantias do devido processo legal e a integridade física e mental de todas as pessoas sob custódia do Estado;

 

CONSIDERANDO a necessidade de revisar intersetorialmente os parâmetros e rotinas de segurança, incluindo os critérios das avaliações de risco individual e das unidades socioeducativas de internação e semiliberdade, a fim de que essas diretrizes não mitiguem o caráter socioeducativo e pedagógico das medidas;

 

CONSIDERANDO os objetivos e princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal de 1988, especialmente o art. 5.º, III, que estabelece que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e o inciso XLIII, segundo o qual a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

 

CONSIDERANDO o disposto em tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil sobre prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em especial a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 5.º), Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (Regra 87, a), a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 37, a), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 7.º); a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (art. 15) e seu Protocolo Facultativo (art. 1.º), o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (princípios 6, 24, 26 e 33), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – art. 8.º, item 3) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (art. 6.º);

 

CONSIDERANDO o disposto na Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 8 de fevereiro de 2023 – Medidas Provisórias a respeito do Brasil – Assunto da Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS);

 

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 143.988, em 25 de agosto de 2020, com origem na Unidade de Internação Norte em Linhares, que determinou que as unidades de execução de medida socioeducativa não ultrapassem a capacidade projetada e estabeleceu a adoção do princípio numerus clausus como estratégia de gestão para estas unidades, com a liberação de nova vaga na hipótese de ingresso de adolescente, documentando uma série de violações de direitos no contexto do sistema socioeducativo brasileiro;

 

CONSIDERANDO o disposto na Resolução n.º 414/2021, que estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul, e dá outras providências;

 

CONSIDERANDO o Protocolo II da Resolução CNJ n.º 213/2015, que traz procedimentos para oitiva, coleta de informações, registro e encaminhamento de casos com indícios de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;

 

CONSIDERANDO as ações desenvolvidas pelo Programa “Fazendo Justiça” do Conselho Nacional de Justiça em parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)), pactuadas junto ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo;

 

CONSIDERANDO os Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura acerca da situação do sistema socioeducativo do Estado do Espírito Santo;

 

CONSIDERANDO que as questões raciais e de gênero são estruturantes, bem como, pessoas que pertencem a grupos que são historicamente discriminados como meninas, negros/ negras, LGBTQI+, indígenas e migrantes estão bastante vulneráveis à tortura e maus-tratos, especialmente em abordagens policiais e/ou quando em privação de liberdade;

 

CONSIDERANDO que a garantia dos direitos de criança e adolescente devem ser tratados com prioridade absoluta, garantindo-se aos adolescentes privados de liberdade condições adequadas ao seu desenvolvimento, garantindo-se o respeito, a dignidade e a não discriminação, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescentes;

 

CONSIDERANDO o amplo potencial da cooperação judiciária entre os órgãos do Judiciário e com outras áreas do setor público e sociedade civil, já evidenciada pelo Conselho Nacional de Justiça, assim como outros tribunais em torno do sucesso e eficácia de resposta de agenda de interesse comum;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º. Instituir Grupo de Trabalho Interinstitucional com vistas a cooperar para o fortalecimento e a qualificação dos fluxos e procedimentos de prevenção e combate à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes contra adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Espírito Santo.

 

 

Art. . O Grupo de trabalho Interinstitucional terá como atribuições:

 

I. Cooperar no desenvolvimento de estratégias e políticas de prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, dentre outros;

II. Elaborar protocolos de atuação conjunta de apuração de crimes de tortura, de penas cruéis e outros tratamentos desumanos ou degradantes, com vistas a qualificação dos fluxos e procedimentos de prevenção e apuração;

III. Estabelecer os fluxos de documentação e levantamento de informações, apuração de responsabilidade na seara administrativa e penal, proteção a noticiantes e testemunhas e reabilitação e atenção às vítimas de torturas e maus tratos;

IV. Realizar a revisão conjunta dos parâmetros e rotinas de segurança, incluindo os critérios das avaliações de risco individual e das unidades e utilização de armas menos letais, nas unidades socioeducativas de internação e semiliberdade, a fim de que essas diretrizes não mitiguem o caráter socioeducativo e pedagógico das medidas;

V. Sugerir capacitações, treinamentos e formações de atores associados aos fluxos e procedimentos de prevenção e combate à tortura e aos maus tratos no atendimento inicial, ao longo do processo de apuração de ato infracional e na execução da medida socioeducativa, com base nas normativas nacionais e internacionais de que o Brasil é signatário, qualificando os procedimentos de inspeção, de documentação, de responsabilização, proteção a noticiantes e testemunhas e reabilitação e atenção à vítima de tortura;

VI. Estabelecer modelo de informação com vista ao rastreamento, monitoramento e acompanhamento do desfecho dos relatos de torturas;

VII. Atuação conjunta na qualificação de serviços e políticas públicas componentes do fluxo de prevenção e combate a tortura e maus-tratos;

VIII. Constituição de comissões para discussão e estudo de temas específicos afetos à prevenção e ao combate a tortura.

 

 

Art. . O Grupo de Trabalho Interinstitucional terá a seguinte composição:

 

§1º – Representantes do Poder Judiciário:

a. 1 (um/a) Juiz/a do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Socioeducativo

b. 1 (um/a) Juiz/a da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas

 

§2º – Serão convidados a fazerem parte do Grupo:

I – Do Ministério Público:

a. 1 (um/a) representante da Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial

b. 1 (um/a) representante da Promotoria da Infância e Juventude

II – Da Defensoria Pública do Estado:

a. 1 (um/a) representante do Núcleo de Direitos Humanos

b. 1 (um/a) representante do Núcleo da Infância e Juventude

III – Da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Espírito Santo

a. 1 (um/a) representante

IV – Da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social

a. 1 (um/a) representante da Corregedoria da Polícia Militar do Espírito Santo

b. 1 (um/a) representante do Departamento Médico-Legal

V – Da Secretaria de Estado de Direitos Humanos – SEDH

a. 1 (um/a) representante e 1 (um/a) suplente da Secretaria de Direitos Humanos

b. 1 (um/a) representante e 1 (um/a) suplente do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo

VI – De órgãos de Prevenção e Combate à Tortura

a. 1 (um/a) representante e 1 (um/a) suplente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura – CEPCT

b. 1 (um/a) representante e 1 (um/a) suplente do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente

 

§1º. A coordenação do Grupo de Trabalho Interinstitucional caberá ao Juiz/a do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Socioeducativo.

 

§2º. A equipe Estadual do Programa Fazendo Justiça do Conselho Nacional de Justiça atuará enquanto membro-convidado no apoio e subsídio técnico, auxiliando no desenvolvimento dos trabalhos do Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerário em conformidade com as ações do Plano Executivo Estadual do Programa Fazendo Justiça no Espírito Santo.

 

§3º. Poderão participar na condição de convidados outras pessoas e instituições cuja participação se considerar relevante para o andamento das ações do GT.

 

§4º. O Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional e do Socioeducativo enviará o convite para as instituições, conselhos e comitê para indicação dos membros, bem como publicará Portaria específica com os nomes das representações.

 

§ 5º. Os encontros do Grupo de Trabalho ocorrerão por meio presencial e/ou virtual.

 

 

Art. 4º. O Grupo de Trabalho encerrará suas atividades no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data da primeira reunião realizada após a publicação desta Portaria com a apresentação das minutas de:

 

I – Plano de prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes no Sistema Socioeducativo do Espírito Santo;

II – Protocolo de atuação conjunta de apuração de crimes de tortura, de penas cruéis e outros tratamentos desumanos ou degradantes no Sistema Socioeducativo do Espírito Santo;

III – Fluxos de:

a. documentação e levantamento de informações;

b. apuração de responsabilidade na seara administrativa e penal;

c. proteção a noticiantes e testemunhas e;

d. reabilitação e atenção às vítimas de torturas e maus tratos.

 

IV – Parâmetros e rotinas de segurança nas unidades socioeducativas de internação e semiliberdade revistos, incluindo os critérios das avaliações de risco individual e coletivo, e utilização de armas menos letais, com base nas normativas nacionais e internacionais sobre uso da força e direitos humanos;

 

V – Programa de capacitações, treinamentos e formações de atores associados aos fluxos e procedimentos de prevenção e combate à tortura e aos maus tratos no Sistema Socioeducativo do Espírito Santo;

 

VI – Modelo de informação para o rastreamento, monitoramento e acompanhamento do desfecho dos relatos de torturas no Sistema Socioeducativo do Espírito Santo.

 

Parágrafo único. O prazo previsto no caput deste artigo poderá ser prorrogado por igual período, com base em proposta justificada, apresentada pela coordenação do Grupo de Trabalho.

 

 

Art.5º. Este Ato Normativo entra em vigor na data de sua publicação.

 

Publique-se.

 

Vitória, 15 de agosto de 2023.

 

 

Desembargador Fabio Clem de Oliveira

Presidente