Conselho Tutelar e a colocação em família substituta

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, instituiu no Direito da Criança e do Adolescente a figura do Conselho Tutelar. Como definido no artigo 131 da referida lei, o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei. Distribuídos no Título V, os capítulos de números I a V tratam das disposições gerais, das atribuições do Conselho, da competência, da escolha dos Conselheiros e dos seus impedimentos.
Da leitura dos dispositivos legais que definem as atribuições do Conselho Tutelar, concluímos que o campo de atuação do referido Conselho é bastante amplo, eis que embora seja órgão permanente do Poder Executivo Municipal, autônomo, é composto por representantes das comunidades populares locais, equivalendo dizer que representam uma forma de participação dos membros das comunidades na execução das políticas que se relacionam com os direitos e interesses das crianças e dos adolescentes, na intervenção complementar aos serviços judiciários em conflitos de pouca gravidade, ou o encaminhamento necessário ao Juizado da Infância e da Juventude da sua jurisdição dos casos concretos que não se enquadram na sua área de atuação.
No Capitulo II do título mencionado, as atribuições do Conselho estão distribuídas nos artigos 136, itens I, II, III (com suas alíneas a e b), IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e XI e artigo 137 do ECA.
Basta uma leitura atenta dos dispositivos legais mencionados para se concluir que o Conselho Tutelar tem sua atuação limitada aos procedimentos de ordem administrativa, não podendo em hipótese alguma interferir nos procedimentos de competência exclusiva do Judiciário. Tanto isso é verdadeiro que no item I do artigo 136, é competente para atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII; Verifica-se, portanto, que entre as medidas previstas no artigo 101, o Conselho Tutelar não pode aplicar aquela referida no item VIII, ou seja, colocação em família substituta.
Exatamente aí é que surge um dos graves problemas que têm causado grande preocupação aos operadores do Direito, na área da criança e do adolescente. Conselhos Tutelares que tem exercido atividade relacionada com a colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas, com o beneplácito de autoridades, estas que talvez façam vistas grossas em razão da incapacidade de montar uma estrutura adequada e obediente aos princípios legais e doutrinários emanados dos Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na Grande Vitória e em outros municípios a prática ilegal não tem sido desenvolvida porque as autoridades estão atentas ao cumprimento do que define o Estatuto. No entanto, em muitas Comarcas, essa ingerência tem sido percebida e essa conduta se desenvolve de tal forma que os Conselhos Tutelares estão fornecendo documentos similares a atestados, comprovando a aptidão de pessoas a adotarem crianças sem referência familiar. A própria Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional já detectou casos em que crianças de tenra idade foram disponibilizadas para adoção internacional, quando não foram feitos esforços no sentido da colocação em família substituta nacional. Em todos os casos detectados estavam evidentes as participações de Conselhos Tutelares.
O que não se pode entender é que os Conselhos Tutelares têm atribuições das mais importantes dentro de uma Comarca e por se tratar de uma instituição criada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, necessita de adquirir credibilidade e respeito na sua jurisdição de forma que possa cuidar dos interesses das crianças e dos adolescentes em toda a sua plenitude, dentro dos limites das suas atribuições e inclusive com a colaboração da sociedade. Não se justifica tamanho interesse em pretender fazer a colocação de crianças em famílias substitutas, principalmente de crianças de tenra idade para famílias estrangeiras. Os Conselhos Tutelares não têm autoridade nem mesmo para fazer a reintegração familiar de crianças ou adolescentes que estejam abrigados. No máximo, sua atuação se limita a colocar em abrigo aquelas que tenham sido encontradas em estado de abandono, com a conseqüente comunicação à autoridade judiciária da sua jurisdição. A partir daí, cabe ao Judiciário encontrar a maneira mais adequada de prover a reintegração familiar ou encontrar uma família substituta, nas modalidades de guarda ou adoção, respeitando-se os direitos daquelas pessoas regularmente habilitadas.
Tais absurdos praticados por alguns Conselhos Tutelares merecem providências imediatas por iniciativa dos Juízes e Promotores das Comarcas onde os desmandos vêm ocorrendo, inclusive com a instauração dos procedimentos pertinentes.
A colocação em família substituta deve ser precedida de estudos e outras providências que viabilizem a adaptação das crianças e adolescentes em ambiente familiar adequado, compatível com a natureza da medida e que traga reais vantagens para os seus desenvolvimentos.
Os Conselhos Tutelares não estão estruturados para tal tipo de atividade, tanto porque a colocação em família substituta não está no rol das suas atribuições, razão maior porque devem evitar tal prática.
Para finalizar é importante registrar que as cidades que ainda não dispõem, devem criar e instalar o Conselho Tutelar cujos serviços podem desafogar as Varas da Infância e da Juventude resolvendo casos menos graves e tornar mais ágeis as súplicas dos membros da comunidade, tudo dentro dos limites de atuação impostos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.


Paulo Roberto Luppi
Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Vitória